de Isloany Machado
Quem me conhece sabe que eu adoro animações.
Quem gosta de animações sabe que muitas delas não são feitas para crianças, mas
para os pais, que têm nos filhos uma boa desculpa para ir ao cinema ver
desenho. Pois bem, por que estou falando essa baboseira toda? Porque dias
atrás, depois de uma abstinência de quatro meses, fomos ao cinema levar nosso
sobrinho para assistir Meu malvado favorito 3. Se você não conhece, vou resumir
o enredo da trilogia em algumas palavras.
No primeiro filme, Gru é um vilão megalomaníaco que tem planos de roubar
grandes monumentos: começa a história roubando uma pirâmide do Egito com uma
arma disparadora de um raio encolhedor. Mas ele tem um concorrente muito forte,
que lhe rouba a arma porque tem pretensões de roubar a Lua. Seria o maior roubo
da história. Gru precisa reaver sua arma e está planejando como fazê-lo quando
conhece três meninas órfãs moradoras de um abrigo. Elas estão vendendo
biscoitos para ajudarem no custeio de suas despesas.
Gru, um sujeito que odeia crianças, tem a
brilhante ideia de adotá-las para ter auxílio em seus crimes. Apresenta-se como
interessado na adoção, criando uma identidade de dentista e convence. Leva as
meninas para casa, consegue reaver a arma, roubar a lua e tudo mais, mas quando
se vê na iminência de perder as garotas, sofre e percebe que as ama. Uma luta
para reavê-las e nasce, na minha opinião, um amor paterno avassalador. Gru se
fantasia de bailarina ou de qualquer outra coisa para a felicidade das meninas,
e agora já estamos no segundo filme. Conhece uma mulher e se casa com ela.
Passa a trabalhar na liga anti-vilões. O louvável do nascimento do amor paterno
é que Gru, além de não conhecer seu pai, ainda tem uma relação péssima com sua
mãe. Uma mulher que sempre tratou com pouco entusiasmo ou até mesmo desprezo
tudo o que ele fazia ou desejava desde a infância. Mas como “amar é dar o que
não se tem”, como dizia Lacan, Gru pode dar a estas meninas um amor antes
inédito.
Eis que estamos no cinema para assistir ao
terceiro da saga. Gru já não é mais um vilão. Tem um emprego e uma família.
Isso tudo poderia parecer pouco emocionante, um modelo de família burguesa,
chata e medíocre demais se comparado à vida de aventuras anterior do ex-vilão.
Mas ele perde o emprego, bem como a esposa, porque há uma mudança de chefia na
liga anti-vilões logo após eles não terem conseguido solucionar uma missão.
Pausa para o vilão da vez.
O nome dele é Balthazar Bratt, um homem de uns 35 anos que foi, na década de
1980, uma criança prodígio que teve seus dias de glória e fama quando atuava em
um seriado na tevê, no qual ele protagonizava “um menino mau demais”. Quando a
adolescência chegou e, junto com ela os hormônios, ele cresceu e vieram as
espinhas e barba. Por não ser mais um menino, ele deixou de fazer a série e
também de ser amado pelo público. Qual é o grande lance? Bratt não se conforma
com a perda a ponto de viver preso em seu passado dourado, de três décadas
atrás. Ele usa ombreiras, bigode, tem um corte de cabelo característico e suas armas,
bem como toda a trilha sonora que rodeia este personagem, está ambientada nos
hits dos anos 1980. Bratt rouba a
cena. Eu amei este vilão, devo confessar.
Passados alguns dias, estava eu sentada a estudar psicanálise para uma fala que
iria fazer e, dentre os assuntos, a travessia do fantasma durante a análise era
um deles. O fantasma, também chamado de fantasia fundamental, é um conceito
muito importante na psicanálise. Em termos imagéticos, o fantasma poderia ser
comparado a uma tela sobreposta à realidade. Em termos palavréticos, o fantasma
seria a historieta que criamos sobre nós mesmos, sempre ficcional, a partir do
que achamos que o Outro quer de nós. Assim, a partir dessa historieta, dizemos:
eu sou isso ou aquilo e assim e assado. Mas o fantasma, assim como o sintoma, o
recalque e todas as tentativas humanas de tamponamento do real, fracassam, se
esgarçam em algum momento. É quando as pessoas chegam à análise, rotas,
manquejantes.
O fantasma é aquilo a que estamos presos e, para isso, não importa a passagem
do tempo. Assim como Freud dizia de um dos princípios do inconsciente: a sua
atemporalidade, também o fantasma não sofre desgastes temporais. O que isso
quer dizer? Ora, que não há cura espontânea para a neurose. A famosa expressão
“o tempo cura” cai por terra com a psicanálise. Na verdade, o tempo só faz
piorar. Quem é chato só fica mais chato ainda. E por aí vai. Então, li num
livro do Luiz Izcovich: “Contra o discurso corrente que diz ao sujeito ‘tens a
idade de tuas artérias’, o sujeito permanece insensível, ele tem a idade do seu
fantasma.” Aí eu só conseguia pensar em Bratt, aquele “menino mau demais” preso
em seu fantasma a ponto de construir um mundo particular cuja passagem do tempo
não conseguia penetrar.
Em uma análise é preciso fazer a travessia do fantasma, deixar cair as
identificações ao discurso do Outro, criar um estilo próprio a partir de um
desejo inédito. Para fazer essa travessia, contra a atemporalidade, é preciso
entrar na roda do tempo. A angústia, por ser um afeto que não engana, serve
como bússola para o desejo, mas também é o que permite ao sujeito se dar conta
passagem temporal, que não é de ordem cronológica, mas lógica. Trata-se do
tempo lógico da neurose de cada um. Agora estou doida para estudar os tempos
das neuroses. Ai que esse desejo não acaba nunca. Valei-me são longuinho!
Isloany Machado, 10/08/2017.
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